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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Sopro de luz

Sabe quando olhamos para alguém, num dia qualquer com o mesmo sol sobre as nossas cabeças e sobre o mesmo chão de vida urbana, mas sabemos que a nossa vida muda para sempre simplesmente pelo encontro dos olhares, que tanto dizem? Que sejam apenas cinco minutos de papo, para nós, eles duram uma eternidade! E os risos são soltos, as falas são leves, a entrega é recíproca e verdadeira! Tanto em comum com tanto carinho vislumbrado!

Ninguém tem muito tempo aqui neste plano, por isso dedico esta escrita para nós, mortais iludidos pela ideia de imortalidade da carne. A vida é tão breve que, num simples suspirar, ela se finda sem nem deixar sombras de nossa existência material. Sêneca disse uma vez que a vida é um sopro... ele esteve certo o tempo todo. Pois o que somos aqui senão apenas sopros humanos de existência? Num dia cá estamos, vislumbrando a grama que insiste em nascer sobre o asfalto seco da pele urbana, sentindo as gotas de chuva acariciando nossa derme num simples toque majestoso de Deus; noutro dia lá estamos acreditando que amamos uma pessoa que, na verdade, nem sequer amamos, ou simplesmente voltando para casa após um dia intenso de trabalho e responsabilidades terrenas.

Num terceiro dia estamos ainda sentados à mesa com nosso pai, nossa mãe, nossos avós. Temos apenas dez anos de vida e tudo se concretiza como imortal, como se aquele cenário fosse durar para sempre. Acreditamos materialmente que a nossa felicidade vai durar, que o tempo apenas vai passar e que, apesar das mudanças, as coisas permanecerão como aquela tarde ensolarada de café das cinco. Temos ali dez anos de muitas histórias para contar, mas ainda nos classificam como crianças que nada viveram dessa vida... e a gente acredita nisso, então passamos a nos trancafiar em nossa clausura, existindo em vez de viver; brigando em vez de dialogar; apontando erros em vez de acolhê-los como evolução; valorando a coisificação do homem e valorizando a humanização das coisas. Estamos ali, postos às avessas acreditando que tudo é para sempre.

Quanta ingenuidade, meu Deus. Quando abrimos os olhos e enxergamos de fato o que a vida é, nos deparamos com um espectro deveras frígido e sagaz, ainda que acolhedor e verdadeiro. A vida é paradoxal, nos presenteia com pessoas, momentos, lugares preciosos mas, ao mesmo instante, nos arranca tudo isso a unhas, sem aviso, sem consideração, sem despedida. Que tipo de coisa é isso a que chamamos de vida?

Está na resposta desta pergunta - talvez – a razão pela qual tentamos depositar na vida muitas das nossas angústias e das injustiças concebidas apenas pela criação ilusória do ser humano. Ser gente, na maioria das vezes, é ser ilusão. Porque acredito que não é a vida quem nos maltrata paradoxalmente, mas aquilo que fazemos com a vida que nos foi concedida num privilégio raro e incomensurável. Sêneca abriu seus olhos e nos deixou um tratado maravilhoso sobre a vida e o privilégio de estar nela – ainda que por instantes tênues. Cabe a nós, seres viventes, compreender o seu sentido em essência ou seguir acreditando que a vida é simplesmente o ir e vir de eventos pontuais, povoado por pessoas casuais – mas que de casual apenas a nossa ilusão e percepção sobre elas.

Ele nos diz, em “Sobre a brevidade da vida” que “a vida, se souberes viver, é longa”! Porque o que contabiliza o nosso tempo de vida não é a cronologia dos eventos vividos, mas a intensidade do que se viveu ao longo do tempo imensurável do viver. “Não somos privados, mas pródigos da vida”! E eu acredito nisso! Acredito...

Mas acontece que os humanos não deixam de lado o materialismo absoluto com que vem estabelecendo as suas relações sociais ao longo dos anos após a tal Revolução Industrial, e cujo intuito era, pelo menos num primeiro momento, facilitar os meios de trabalho e de produção do sistema estatal economicamente fundado para que, assim, os humanos/trabalhadores tivessem mais tempo para a vida, e não apenas para o labor.

Mas então um “gênio” – de quem não se tem notícias, mas também nem importa saber de quem se trata mesmo – percebeu que se os humanos/trabalhadores deixassem essa história de viver plenamente de lado e passassem a despender mais tempo de sua vida operando mais máquinas para produzir mais “moeda de troca”, os seus engenhos, as suas fábricas e as suas empresas poderiam vender mais e, consequentemente, ele poderia lucrar mais e, lucrando mais, poderia comprar mais máquinas para, assim, comprar mais tempo de vida de humanos/trabalhadores e, assim, fazer a roda do seu próprio umbigo girar e, ainda por cima, lucrar ainda muito mais.

Então passamos a orientar a nossa vida a partir desse princípio tosco e ilusório, que nos mata a cada gota de suor despendida para o labor fundamentado na moeda de troca. E apenas para isso. Um labor que nos intimida perante a vida plena, a vida prescrita em Sêneca, em Jesus, em Deus. Mas, então, ela mesma, a vida, nos presenteia com o fim da vida de alguém tão especial. E como agimos? Choramos, enlouquecemos, revoltamos e, terrivelmente, nos arrependemos: o beijo nunca dado, o abraço negado, o diálogo não dito, a prosa jamais ouvida, o olhar não fitado, o “eu te amo” engolido, o perdão não aceito e nem pedido.

É a troca de quem se estima pela ilusão do desejo saciado por meio do materialismo diligentemente entregue: é o programa na tv, o filme que recomeça, as redes sociais que não calam, os jogos que não cessam, a música que sempre toca, o livro que sempre ensina, o trabalho que impregna, a rotina em nós saturada. Mas, por que mesmo? Porque tanto pendemos a vida para o lado aparente? Que mania é essa que adotamos ao longo desses anos de olhar para a pessoa amada e essencial em nossa vida apenas quando já se deitou para o sono eterno? São repetidas vezes na vida, e o que aprendemos: nada! São as mesmas pessoas, os mesmos erros, as mesmas frustrações. Virar-se do avesso dói, é trágico e impiedoso, e a morte é quem assume esse papel. Ela nos faz lembrar sem tempo do que realmente importa foi deixado lá atrás, quando tinhamos apenas dez anos e, sentados à mesa, confabulávamos com aqueles que tanto estimávamos.

“Pequena é a parte da vida que vivemos. Pois todo o resto não é vida, mas somente tempo. Os vícios sufocam os homens e andam a sua volta, não lhes permitindo levantar nem erguer os olhos para distinguir a verdade. Permanecem imersos, presos às paixões, não favorecendo um voltar-se para si próprio” – e complemento: e um voltar-se para aquilo e para quem realmente nos sopra vida!

“Deve-se aprender a viver por toda a vida e, por mais que te admires, durante toda a vida se deve aprender a morrer”. Pois na morte ainda sopra um lampejo de vida trazendo-nos à luz e nos conferindo mais uma chance de revirar-se do avesso, de recomeçar, de reconhecer, de reviver, de redizer, de relembrar, de re-morrer.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Sina

Então olhou para dentro de si. Pode enxergar um passado repleto de mesmas histórias. Cada uma ao seu jeito, cada uma a sua luz, cada uma ao seu tempo – mas sempre com o seu início e o seu fim pré-destinado.

É como se vivesse a mesma vida dentre tantas que já vivera. Por que no fim; no fim é que sente o peso de ser quem é; de sentir o que sente; de sentir o que provocara. Como todo ciclo, a roda viva a levara, mais uma vez, para um beco ainda mais escuro e, desta vez, sem saída!

Do final, sabe todas as falas. Mas ainda assim optou por viver o tempo que lhe restara. Por que acredita que um momento pode valer uma vida inteira. E que, senão aqui, doutro canto da memória emotiva poderá respirar novamente a vida que passara.

Nascera com a culpa de ser quem é. A tão somente culpa sua. Por mais que o dia da sentença tenda a chegar, como ladra da noite, roubara-lhe o tempo que restava para degustar o doce veneno da liberdade. Mas o que é a liberdade senão uma prisão sugerida?

Das prisões que escolhera viver, desta última em essência, até que morte em não vida a liberte. Do presente que, num suspiro, está passado, ainda cuida da fagulha de luz que lhe restara para manter acesa, ainda que coberta por breu, a luz da magia.

Se da magia nascera, da magia morrerá. Se da vida viera, da vida morrerá. Se da sina respira, da sina sufocará. Então olhou para dentro de si e, por hora, enxergara folhas vazias, cujas palavras dissolviam-se em rios de sentimentalidades.

Das palavras, sabe todas as histórias. Mas ainda prefere escrevê-las a viver uma vida sem poesia, sem rima, fadada ao fim sem começo. Que haja, em clichê, o começo, o meio e o fim, porque mais triste que um conto sem final feliz, é a angústia de uma vida sem prosa para se contar o fim.

Sina. Das vidas que passara, apenas uma, contraditório, lhe matara. Das histórias que escrevera, apenas o fim, desta última, lhe negara. Das magias que encantara, a de essência, por hora, lhe recusara. De todas que amara, só uma, que rude vivera, lhe roubara.

Então olhou para dentro de si... era como pluma ao vento, a mercê da boa vontade que, um dia, a sua alma beijara e, de presente, lhe entregara! De passado, o futuro aguardara...

Da última fala, que nunca dita; do último beijo, que nunca dado; do último abraço, que nunca envolvido; jaz em vida quem, um dia, nunca morrera. Do final, enfim!