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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Menina que sonha, menino que voa

No guarda-chuva, ela segura

De olhos fechados, escapa no ar

Da morte, voa pra vida

Em essência, sempre, lhe fez flutuar.


No breu, o encontro com a luz

Na brisa, o carinho ao luar

Agora, os sinos da chuva

À noite, sempre, a lhe acalentar.


Descerra os olhos

E os pés, já sem chão, pisam o mar

É a gota da vida,

É a ternura de Deus

Na alma, sempre, a lhe tocar.


Sente a leveza, sente a verdade

No irreal, o sutil do amar

Agora, os balões transeuntes

Com zelo e bondade,

No coração do menino, sempre, a lhe guiar.


Abrem os olhos, na tempestade, na ventania

E o medo, sem vez, põe-se a gritar

É o breu de uma vida, outrora vazia

Na mente, sempre, a lhes assustar.


De olhos abertos, uma luz ofuscante

Como estrela caída, põe se a brilhar

Na queda vazia, no sonho perdido

Uma voz, sempre, a lhes matar.


Da morte pra vida,

Mais uma vez, olhos a fechar

É pluma da noite,

É vento da chuva,

É gota de lua,

Gaivotas, sempre, livres no ar.


Da vida pra morte,

Da morte pra vida,

Poesia de Deus, sempre, a lhes convidar

Guarda-chuva de asas, balões de estrelas,

Laternas ligadas,

Sempre, a lhes acalmar.


Menina que sonha, menino que voa

Da chuva, a vida, manifesta em mar

É pluma do dia, é breu do sol

Uma luz, sempre, a lhes cegar.


No lampejo de vida, bolhas de sabão,

No céu, sempre, a lhes libertar

De olhos fechados, um amor inteiro,

Meninos, sempre, livres no ar.


Menina que sonha, menino que voa,

No céu da vida, na nuvem do amar.

Uma estrela erguida, uma luz ilumina

De volta, sempre, a lhes acalmar.


Suspiro da morte, sinos da chuva,

Uma vida vazia, se desmancha no ar.

Um choro de criança, um soluço de esperança,

É a essência querida, sempre, a lhes embalar.




segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Luto

Escrever dá medo. A cada frase, uma revelação. Aquele que escreve é audacioso. Tem o meu respeito pois, apesar do medo de expor-se – quando há -, o faz da mesma maneira. É melhor expor-se que se calar. Quem cala não apenas consente mas, intrinsicamente, arranca-lhe o direito de expressar-se, de viver-se. De fato uma relação paradoxa. Quem escreve nem sempre quer dizer-se, mas obrigatoriamente o faz. Ainda assim, opta por escrever. Prefere falar-se a calar o seu ímpeto de dizer. É um grito em forma de aglutinação gramatical. Uma mudez que grita mais alto que qualquer berro. Escrever dá medo. Porque o que está escrito não morre com o tempo, permanece nele. Não morrer dá medo. Porque não tem volta. E há dias que morrer é providencial...O dom da eternidade que a escrita confere é fabuloso e assustador. Se cai no esquecimento, basta o ler novamente. E tudo renasce! Engana-se a morte.

Nesses dias refutei-me sobre a minha falta de paciência em escrever um diário. Sempre o quis, mas nunca vi sentido naquilo! Escrever para mim mesma sobre o meu dia vivido? Para que, se o que vivi já foi vivido por mim e, logicamente, o saberei que vivi? Um pouco nostálgico demais...Mas que besteira a minha. Perdi a chance de eternizar quem já fui para mim mesma! Matei minha outrora e nem percebi. Nem chorei. Mas hoje sou luto! Pensei nisso ao abrir uma caixa com cartas e bilhetes enviadas por pessoas do passado. Pude viver de novo cada momento; foi uma experiência diferente do lembrar. A lembrança é vulto. E a nitidez com que revi o passado foi diferente de tudo que já me aconteceu. Imagem não diz tudo. A palavra sim. Então senti vontade de ler minhas respostas para dar findo a cada história que os bilhetes trazem em si: nunca conseguirei! Luto! [Ah, que tolice a minha].

Hoje escrevo para salvar a mim mesma de mim! Tenho o dom de querer me matar - mesmo quando não se é providencial. Viver dá medo! Não morrer é ainda mais medonho! O tornar-se ridículo perante alheios nos sucumbe. Quanta bobagem...Temos uma forte tendência suicida, e ainda acreditamos que "o inferno são os outros" (Jean-Paul Sartre). A aceitação de deixar de ser quem se é em função de moral social ou, por menos, por promessas garantidas a outrem, é o mesmo que atirar na própria cabeça todos os dias da (não) vida. Que bom que ainda tenho a palavra. Nessa mudez posso permitir ser quem sou. Nesse instante, sou governante de mim mesma e não há quem possa me matar que não apenas eu e tão somente eu. Que o vulto seja apenas da lembrança não dita e não da vida manifesta!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Minha vantagem é ser feita de pele e sangue

Não quero a sorte de um sonhador. Prefiro a audácia do imaginador. O primeiro se limita aos imprevistos da inconsciência. Já quem imagina, liberta-se no trunfo das possibilidades. Executa o ato de projetar, de perceber e de guiar. Já o sonhador executa o ato de destinar-se. A mente inconstante o destina a apenas vislumbrar e, raramente, o faz sentir. Apenas quando está bondosa, então se sente. Geralmente ela é voraz e faz do sonhador joguete do destino, arrancado-lhe o sopro do real com um leve despertar. Pensando bem, o ato de sonhar lembra um pouco a vida. Por vezes no seu âmago, basta um simples suspirar para já se acordar. Assim é a vida. Por vezes destemida, basta a quem vive tropicar para ela o deixar. Mas também, quem mandou desacordar para imaginar? Todo amanhecer é um pouco morte para quem sonha. Gosto mesmo é de imaginar. Imaginando, posso até suspirar e nem sequer despertar. Ao contrário, o suspiro vira alimento daquele que imagina. Outra vantagem, não se precisa dormir e nem esperar. Basta projetar, perceber e deixar-se guiar. O imaginar também permite a quem imagina o sentir. Porque a minha vantagem mesmo é ser feita de carne e osso, pele e sangue. O osso para o sustento da carne que, ao toque da pele, faz o sangue irrigar por dentre as veias o doce veneno da volúpia! Os sonhos, deixo para os sonhadores. O que me atrai é o delírio de uma carne bem quente, bem real, a adentrar minhas entranhas cuja alma já está esgotada em devaneio. Latejante, a sinto como se uma vida inteira começara a nascer dentro de mim. Então me abro, me permito e a encorajo a fincar no solo sagrado do deleite o doce substrato da euforia fulgurante do desejo. Os sonhos? Que estes sejam sonhados por aqueles que admiram sonhar. Eu sou admirador do prazer sem amarras, do pulso que faz a carne pulsar. Da vida já não sou dono mesmo. Que ao menos eu seja do meu sonhar. Então, opto pela imaginação, que me faz sonhar, sentir, viver e ainda decidir quando morrer. Que os sonhos caiam-me à esquerda; os desatinos, esses sim à minha direita. Imaginar, imaginar e imaginar até o meu sangue me irrigar e provocar o derrame do pólen viscoso do gozar. Meu pacto é o sentir do prazer. Viver de prazer para morrer com prazer! O gozo de uma carne latejante é infinitamente melhor que a alucinação de um sonho consonante!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Ego

Que culpa tenho se nasci tão eu? O que posso ser nesta vida é tão somente isso que sou. Não sei ser de outra forma. Não sei me recontextualizar. Para isso, teria que renascer. Mas, ainda assim, teria que, antes, me matar! Só renasce aquilo que um dia já morreu. E eu, hoje, não quero me matar. Até estive esquecida de mim por um tempo, até tentei suicídio involuntariamente, mas ainda assim sempre fui tão somente eu; sempre serei isso que sou. Tentar me matar faz parte de mim. Mas o máximo que consigo é me por em estado de coma. Então não me venha refutar sobre o que digo, o que penso e o que faço. Apenas sinta o que sou. Tudo é uma questão de ser. Tudo é uma questão de sentir o que se é. Nem eu tenho a resposta para esclarecer o que digo, o que penso e o que faço. Você é de outro jeito porque é o jeito de você ser. Então, assim como eu, se seja! Ao menos, tente! Porque sou apenas do jeito que consigo ser, e com você não é diferente. Isso nos acontece desde o nascimento. Não há quem esteja vivo que escape. E não há nesse mundo algo tão glorioso quanto o nascer. Quando se nasce, passa-se a existir. Passa o mundo a ter um outro ser que nem sequer ainda o é. Existe-se, apenas. Mas ainda assim é lindo. Quando você nasce, o mundo muda. Mas você nem sequer dá conta disso. (Aliás, estamos fadados a passar por uma vida inteira sem perceber que somos aquilo que já nascemos sendo). Depois de um tempo é que você percebe que o existir não é nada perto do viver. Mas que o existir é fundamental para viver. A existência é a pré-vida. Para se ter a vida é fundamental ter existido antes. Mas, antes, e não durante! Da existência à vida o ser passa por uma série de experiências que o fundamentam em si. É a essência, fecunda já durante a pré-vida, mas que ainda não a concebemos. É como se o espírito estivesse adentrando o corpo aos poucos, aos fragmentos. Mas, na verdade, nós é que o percebemos em fragmentos, pois ele já é antes mesmo de sermos. A essência, então, parece dar o ar de sua graça durante toda a vida em nossa razão. Para conhecê-la talvez levaremos uma vida inteira. Ou, ainda, uma vida inteira não será o bastante para a conhecer. Porque, ainda que já na vida, começamos a racionalizar tudo, e esquecemos de ser o que, de fato, somos. Quer dizer: ainda que exista algo que lhe diga o que ser, é impossível dissonar de si aquilo que você realmente é. Não acontece essa dissonância. Nunca. Mas esse algo nos faz esquecer, nos faz des-percerber. Faz-nos olhar para outra coisa e acaba por nos cegar diante de nós mesmos. Um tronco de árvore será sempre um tronco. Há quem diga que é cadeira, mesa, lápis, papel. Mas ele será sempre um tronco de árvore. É a essência do tronco ser tronco. Ele nasceu para ter suas raízes fincadas no solo. Para sustentar folhagens e frutos. Nasceu para ser tronco e ponto final. Mas há algo que tenta suprimir a sua essência e o transformar em outra coisa, que não o tronco. Ainda que cadeira, mesa, lápis, papel, o tronco sempre será tronco. Assim nasceu, assim morreu. O precioso de permitir ser quem sou, é que posso ser aquilo que eu quiser ser sem me perder, mas perdendo-me em mim mesma. Diferente do tronco, que se perde de si por força daquele algo. Por isso, assim como Clarice, não escrevo para você me entender ou entender a si próprio, quiçá compreender o mundo. Não faço literatura. Escrevo para salvar a mim mesma da gana que tenho de me matar. Sou o meu algo. E isso é perigoso. Escrevendo, posso me ler e me reler e, de novo, me contextualizar sobre quem sou. Se quiserem me transformar num tronco, poderei ter a consciência de que não nasci tronco e voltar a mim mesma. E isso não é recontextualizar-se é, apenas, reconhecer o que nunca deixei de ser e o que, certamente, sempre hei de ser. Eu nasci tão somente eu e, por décadas, assim o serei! (Talvez, por uma eternidade...).