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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Do mundo sem voz

Depois de tanto tempo sem fala...


Cada dia que vivo, observo como as relações sociais estão contraditórias. É curioso isso, mas tenho observado um tipo de diálogo mudo em nossa sociedade! Aliás, você que lê tal texto agora tem sido o receptor de mais uma fala sem timbre! A verdade é que ao mesmo instante em que estamos conectados com tudo e todos que habitam o nosso planeta, estamos cada vez mais solitários, introspectivos e vazios do que dizer e sentir. De tanto querer voz, o mundo está mudo!De tanto querer conhecer, o mundo está ignorante! De tanto querer enxergar, o mundo está cego!De tanto querer o querer, o mundo está submerso num mar seco de desejos que jamais foram seus.

Essa “Revolução Digital”, em minha opinião, é tão igual à Revolução Industrial - iniciada na Inglaterra em meados do século 18, expandiu-se para o mundo no século 19 - cujo intuito era, pelo menos num primeiro momento, facilitar os meios de trabalho e de produção do sistema estatal economicamente fundado para que, assim, os trabalhadores tivessem mais tempo para a vida, e não apenas para o labor. Foram deslumbradas, assim, as oportunidades que os meios de produção industriais teoricamente proporcionavam-nos e garantiam-nos a sempre desejada melhorara significativa da qualidade de vida.

Porém, tempo depois, esses mesmos seres humanos observaram que se os trabalhadores deixassem essa história de viver plenamente de lado e passassem a despender mais tempo de sua vida operando mais máquinas para produzir mais “moeda de troca”, os seus engenhos, as suas fábricas e as suas empresas poderiam vender mais e, consequentemente, ele poderia lucrar mais e, lucrando mais, poderia comprar mais máquinas para, assim, comprar mais tempo de vida de trabalhadores e, assim, fazer a roda do seu próprio umbigo girar e, ainda por cima, lucrar ainda muito mais.

Vejo a “Revolução Digital” muito dessa maneira, apesar de nuances distintas entre uma e outra! Como praticamente tudo que o ser humano inventou visando a sua qualidade de vida e sua evolução transformou-se em bolas de ferro presas por corrente em nosso tornozelo, a sociedade da era digital também sofreu com mais essa mudança de conceito e passou a estabelecer relações sócio-virtuais cada vez mais impertinentes à sua origem. E aqui vou me ater, apenas, às chamadas redes sociais!


Participo, gosto, não vivo sem e faço bom frutos graças à essa tecnologia inventada, revolucionada e consolidada em nosso tempo. Não passo um dia sem acessar e-mail, facebook, twitter, linkedin, youtube, blog e todo o universo que a vida digital nos proporciona. Vida digital! É praticamente um mundo sem fronteiras aguardando por nossa passagem de ida – sem volta!

Nesta vida digital conhecemos pessoas dos quatro cantos do mundo, visitamos lugares distantes, encaramos sem olhar nos olhos a garota e o garoto que tanto desejamos, compramos os objetos tão queridos, estamos on-line 24 horas por dia, tudo no toque de alguns dedos. Adorável! O mundo, de repente, configurou-se na tela de um computador – e olha que existem milhares de tipos hoje, inclusive os portáteis!


O viver sem fronteiras, paradoxalmente, nos limitou a presença virtual do outro. Não seria problema se não fosse tão contraditório assim. Ao mesmo instante que necessito instintivamente me comunicar, não me comunico em nossa realidade, mas em uma realidade inventada. Então conversar já não mais faz sentido quando podemos digitalizar o nosso diálogo em algumas palavras. O tempo de espera do encontro real é muito maior que o tempo de espera do encontro virtual, que é quase nulo!


Para muitos, basta uma troca de mensagens para se sentir satisfeito do outro! Do outro que não podemos ter no tempo agora da vida real, mas sim apenas no tempo infindável da vida inventada! Exemplo disso: não é raro participarmos de encontros sociais reais, com pessoas reais e, por isso mesmo, tateáveis e com capacidade física para nos enxergar e ouvir, e nos sentirmos estranhos já que os assuntos só co-existem na vida inventada ou, ainda, que o outro opta por dialogar com o outro que está on-line na vida inventada enquanto você espera, no ar, um minuto de sua distração para tentar principiar um diálogo efetivamente falado! O smartphone sempre ganha!


Posso estar errada, mas sinto que estamos perdendo a habilidade de nos falar, nos ouvir, nos enxergar, nos tocar, nos sentir. Sinto que estamos atrofiando as nossas pregas vocais e todo o sistema fisiológico responsável pela dicção e pelo reflexo sonoro das palavras!

Sinto que, de tanto querer voz, o mundo está mudo!De tanto querer conhecer, o mundo está ignorante! De tanto querer enxergar, o mundo está cego!De tanto querer o querer, o mundo está submerso num mar seco de desejos que jamais foram seus mas que foram inventados pensando em você!


Mas vai que é apenas uma impressão?! Terapia...

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Ode aos Arieis de todos os dias e cantos e ruas

Acho uma gracinha essa comoção social pelo leão Ariel. É lindo observar a solidariedade humana por um animal que sofreu uma doença degenerativa que o matou em pouco tempo – infelizmente. Poxa, ele era lindo e majestoso; um rei que se despediu da vida na selva de pedras habitada por outros tipos de seres vivos! Uma verdadeira tragédia.

Aproveito o ensejo para que essas mesmas pessoas voltem o seu olhar e multipliquem à sua solidariedade aos animais que, sadios e cheios de vida pela frente, são presos e mortos aos montes todos os dias para encher o seu prato na hora do almoço, do jantar e, quiçá, no café da manhã do outro dia!

Alguns desses, não tão majestosos assim como Ariel, passam uma vida inteira sem por as patas, sadias e prontas para vislumbrar a terra, no chão! São galos e galinhas que vivem a comer grãos e amidos para engordarem e, num futuro, engordarem a você!

Outros arieis da vida são grandalhões também. Muitos são chamados de bois, vacas, bizerros e porcos! Ainda que esses vivam em pastos e têm o direito de ir e vir, passam grande parte da vida ingerindo toneladas de grãos e amidos para engordarem e, num futuro próximo, engordarem a você!

Ainda temos aves diversas, rãs, peixes enfim, uma infinidade de Arieis que, ainda que saudáveis – e principalmente por isso – vão morrer descontroladamente para satisfazer o desejo dos seres vivos evoluídos de comer uma picanha ali e acolá, uma asinha de frango, pra variar, e por aí vai...

Acho importante salientar que não sou contra o consumo de carne animal, apenas peço que reflitam sobre o seu consumo exacerbado! Tudo em exagero tende ao desequilíbrio – e o que mais notamos por aí são pessoas desequilibradas. Carnes de animais são importantes para a nutrição do bicho homem, porém, fazem muito mal quanto a sua ingestão é demasiada. Fica um alerta. Afinal das contas, todos esses que citei, e outros tantos que nem falei, são tão animais quanto o Ariel.

Primeiro ponto encerrado. Agora que vocês, amantes do leão Ariel, se sensibilizaram com os outros Arieis (ou não), chamo atenção ainda para àqueles que todos os dias morrem nas ruas do nosso país. Eles não sofrem de doença degenerativa, não têm e nem precisam de criadores para ajudá-los a se locomover e muito menos a solidariedade e o respeito dos seus pares!

Eles simplesmente adoecem e falecem sob cobertores sujos de asfalto, debaixo da sua narina, sob seu olhar indiferente que, todos os dias, passa por essas mesmas ruas e faz vistas turvas diante desses seres vivos menos evoluídos. A sua doença? A pobreza! É uma situação incômoda, difícil de conviver e, para muitos, nojenta e real expressão da vagabundagem.

No filme “À primeira vista, um homem que nasceu cego e pode enxergar graças a evolução da medicina, vislumbra a vida em tonalidades pela primeira vez. Tudo era novo para ele: as cores do mundo, as texturas da vida, as características dos seus pares. Porém, num fatídico dia de passeio com a sua linda namorada, avistou um morador de rua: “o que é isso?”, perguntou a ela!; ao que a bela moça logo respondeu: “nada! Não é nada!”. Ele, inconformado, parou diante do “nada”, observou, abaixou-se e, surpreendentemente, viu que era um homem. Assustado, ele logo exclamou: “é um homem! É um ser humano! Como você pode dizer que não é nada?!?!”

Sua namorada nada mais é que o retrato de nossa sociedade, cada vez mais criadora de seres vivos evoluídos, mas hipócritas e mesquinhos ao mesmo patamar de evolução, tão cauterizados com essa tragédia social que são capazes de considerar normal pessoas morrendo de fome e frio enquanto, do outro lado da vida, outros esbanjam o que comer, o que vestir e onde viver sem importar-se com as conseqüências do seus atos.

Há muitos arieis paralisados em ruas e favelas! Há muitos arieis precisando da sua ajuda! Há muitos arieis que morrem injustamente em pastos e matadouros para alimentar, exacerbadamente, seres evoluídos que nem sequer se solidarizam por outros seres vivos.

Houve um Ariel que, graças a alguma coisa de que não sei o nome, morreu amparado por pessoas de bom coração, que foi muito bem alimentado por arieis que cederam a sua vida para salvar a do rei. Mas há muitos tantos outros a morrer de fome, de frio e de vergonha que estão impedidos de desfrutar de arieis já mortos para satisfazer a gula e o luxo de seres vivos evoluídos desequilibrados, que vivem em excesso e considera tal realidade a normalidade social!

Um desabafo... falta amor e bom senso no mundo, e sobra histeria!



quinta-feira, 9 de junho de 2011

O que lhe move?

Sabe se dizer? A nossa vida é muito agitada e muitas vezes perdemos a chance de nos perguntar o que, afinal, nos move. Por que estudamos? Por que trabalhamos? Por que nos relacionamos? Por que, afinal, vivemos, o dia-a-dia?

Os últimos acontecimentos em minha vida têm me feito refletir sobre tal questão. E percebi que, por mais que acontecimentos injustos permeiem a vida de quem age com honestidade, simplicidade e dedicação, é sempre melhor agir de acordo com os próprios valores. Ser honesto consigo é o que vale nessa vida! É o que me move!

Nesses anos todos, aprendi ainda que é fundamental viver o tempo presente, expectar a vida do amanhã e aprender com os momentos do passado! E que é preciso fazer das desilusões, alicerces para a evolução da alma.

Aprendi também que, muitas vezes, é preciso darmos um passo para trás para que possamos pegar novo impulso e levantar voo outra vez! Aprendi que, ser sonhadora, tornou a minha realidade uma verdadeira realização! E que as pessoas com o hábito de julgar outras valem de si mesmas!

Aprendi que prestígio e respeito se conquistam com honestidade, ética, humildade e muito trabalho – e que, dinheiro, ah, dinheiro vem com o tempo. Aprendi ainda que a vida é um sopro. Num momento, cá estamos; noutro, lá partimos. No fim, o que importa é o que doamos de si àqueles que estimamos e vice-versa.

Aprendi que a realidade pode ser recontextualizada quantas vezes for preciso. É importante recontextualizar-se e recontar-se. Novos contextos tornam-me ainda mais próxima de mim e daquilo que ainda vou ser: querer, para quem realmente quer, é acreditar, seguir, batalhar e conseguir – insisto nisso ultimamente.

Aprendi ainda que não podemos deixar de ser quem somos para viver uma vida fulgaz, aparente, em que o que importa é o que os outros pensam e o que se faz perante esses mesmos outros. O que realmente somos e no que realmente acreditamos são as bases que fazem da vida o próprio lar!

Aprendi que nem todas as atividades que são necessárias são apaixonantes, mas nem por isso devemos abrir mão das mesmas e tratá-las de forma leviana. É fundamental doar o nosso melhor sempre que propusermos desenvolver qualquer ação.

Aprendi que o sucesso acontece quando superamos as nossas expectativas, e não quando alguém diz que somos pessoas realizadas. Aprendi ainda que, no universo em qual vivemos, é preciso conhecer basicamente tudo que faz dele universo, ainda que não apreciemos esse “tudo”. Conhecer nunca é demais.

O que me move? O amor me move. A espiritualidade me move. Tudo o que fazemos com amor e espiritualidade está fadado a nos transgredir. Está fadado ao nosso sucesso. E é por amor e respeito aos meus princípios, às minhas verdades, à minha profissão e ao ato em si da comunicação – principalmente em forma de palavras – que procuro voar.

Move-me, também, o desafio; a perspicácia de um projeto novo; o conhecer inédito; um grupo de pessoas libertas de pré-conceitos e prontas para se apaixonar por um novo trabalho, por uma nova pessoa, por um novo conhecimento. A paixão move as pessoas. A paixão me move!

A arte me move! Toda arte é uma grande obra de amor; e todo amor é uma grande obra de arte. E, por isso, move-me viver aquilo que me faz bem e feliz, porque o tempo não volta. Ele passa, e todo o tempo é tempo de vida. E é por conceber a vida desta forma que tento viver todo o tempo da melhor forma possível. Da minha forma de viver! É a minha vida, a minha única chance de viver.

Um sonho não pode deixar de ser sonhado simplesmente porque o caminho até ele não é o que traçamos. Às vezes a vida sai de sua rota, mas nem por isso deixa de nos levar para o local onde determinamos que chegaríamos. Impossível é apenas uma palavra, e nada mais que isso! O impossível me move!





segunda-feira, 23 de maio de 2011

Reticências

Todo amanhecer é um pouco morte para quem sonha...
...mas todo o amanhecer também é um pouco vida para quem renasce!

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Os caminhos que nos levam a nós mesmos

Para àqueles que não perdem a oportunidade da assistir a um bom filme e que travam uma batalha quase homérica para se esquivar do roteiro comercial dos filmes de Hollywood, uma dica barata e super confortável é a Mostra Internacional de Cinema. Todas às quartas e sextas-feiras, às 22h, vai ao ar pela TV Cultura uma obra cinematográfica mais conceitual, artística e politizada que nos faz refletir a cada sequência.

Como uma aspirante a cinéfila, sempre que posso agendo comigo mesma uma sessão pipoca nas noites de sexta-feira. Dentre umas dessas, tive o privilégio de assistir ao longa “Armênia”, uma produção francesa de 2006 e dirigida pelo marselhês Robert Guédiguian. A obra conta a trama de Anna (Ariane Ascaride), uma médica cardiologista de sucesso que encara a vida com a mesma prática, racionalidade e frigidez que a sua profissão exige.

Sempre no controle da situação após a morte da mãe, Anna, ao lado de sua filha adolescente e de seu marido, acredita ser a única família de Barsam (Marcel Bluwal), seu pai. O cuidado é tamanho que o zelo por seu pai é quase materno! Mas o velho, de origem armênia, sabe exatamente como driblar o altruísmo de Anna para, assim, conduzir a sua vida e garantir-lhe o direito de escolher a morte que anseia ter.

Barsam sofre de uma grave doença cardíaca, mas ainda assim nega a passar por uma cirurgia de risco, conforme orientado pela médica. Ele, então, decide aproveitar os seus últimos momentos de vida em seu país natal, vivendo a sua cultura. Apenas tendo confabulado com a sua neta o seu desejo, o velho engaja-se numa aventura vital, obrigando Anna encontrá-lo em até sete dias na Armênia, país que nunca visitou.

À procura de seu pai, a médica então passa por aventuras e desventuras que transformarão para sempre a sua vida. Porque não se trata apenas de uma viagem internacional, na qual terá a oportunidade de conhecer uma nova cultura e novas pessoas, mas de um processo de interiorização em que terá a rara chance de adentrar num canto de si, onde guarda memórias encaixotadas do que, um dia, nunca deixou de ser.

Por meio do seu convívio com os armênios, Anna começa a conhecer a realidade de um país completamente diferente da França mercantil e capitalista que deixara para trás. Era uma Armênia ainda de luto, mas com força e amor suficientes para a sua reconstrução após o chamado “Genocídio Armênio”. Em meados de 1915, o país sofreu com a matança e a deportação forçada de milhares de pessoas de origem armênia que viviam no Império Otomano. A intenção? Apenas arruinar sua vida cultural, econômica e seu ambiente familiar, durante o governo dos chamados Jovens Turcos (1915 a 1917).

A partir de princípios comunistas, o seu povo passou a reiventar a sua organização e a fundar um novo estado de direito após o episódio. Um povo humilhado sim, mas mais unido que, ainda com as feridas abertas, soube reorganizar a sua sociedade sem nunca permitir que a desonra de seus inimigos turcos revigorasse por seu solo. Um patriotismo romântico, cuja raiz é a fonte eterna da força, da honra e da sensibilidade de quem conhece a si mesmo e não se corrompe por aquilo que não acredita.

Anna passa a vislumbrar cada personagem de sua saga pela busca de seu pai e, como criança, começa a aprender a reviver quem, um dia, já foi. Os caminhos que percorre, as histórias que conhece, os amigos que faz, tudo remete a uma viagem para a sua própria história, para a redescoberta da Anna que, um dia, deixou morrer para se tornar uma renomada e bem remunerada médica francesa.

Ainda em seu consultório, o seu velho pai, após questionamentos irrevogáveis, disse a filha que gostaria de ter ensinado a ela algumas coisinhas antes de partir, mas que falar agora já não adiantaria. A viagem, além de ser o ensejo de encontrar vida durante a espera da morte eminente, foi a grande lição do velho Barsam à sua filha, numa demonstração única de amor, respeito e dignidade por aquele que ainda vive a sua essência, a sua raiz.

Por meio dessa obra cinematográfica - singela sim, se levadas em conta as filmagens e a cenografia, mas de uma riqueza conceitual que incomoda – podemos perceber o quanto deixamos de ser quem somos para viver uma vida fulgaz, aparente, em que o que importa mesmo é o que os outros pensam e o que se faz perante esses mesmos outros, e não o que realmente somos e no que realmente acreditamos. Uma oportunidade que temos de viajar para dentro de nós mesmos e, feito Anna, percorrer caminhos que um dia negamos e deixamo-nos desviar: os caminhos que nos levam a nós mesmos!


Informações Técnicas

Título no Brasil: Armênia

Título Original: Le Voyage en Arménie

País de Origem: França

Gênero: Drama

Tempo de Duração: 125 minutos

Ano de Lançamento: 2006

Estréia no Brasil: 07/12/2007

Estúdio/Distrib.: Imovision

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Sopro de luz

Sabe quando olhamos para alguém, num dia qualquer com o mesmo sol sobre as nossas cabeças e sobre o mesmo chão de vida urbana, mas sabemos que a nossa vida muda para sempre simplesmente pelo encontro dos olhares, que tanto dizem? Que sejam apenas cinco minutos de papo, para nós, eles duram uma eternidade! E os risos são soltos, as falas são leves, a entrega é recíproca e verdadeira! Tanto em comum com tanto carinho vislumbrado!

Ninguém tem muito tempo aqui neste plano, por isso dedico esta escrita para nós, mortais iludidos pela ideia de imortalidade da carne. A vida é tão breve que, num simples suspirar, ela se finda sem nem deixar sombras de nossa existência material. Sêneca disse uma vez que a vida é um sopro... ele esteve certo o tempo todo. Pois o que somos aqui senão apenas sopros humanos de existência? Num dia cá estamos, vislumbrando a grama que insiste em nascer sobre o asfalto seco da pele urbana, sentindo as gotas de chuva acariciando nossa derme num simples toque majestoso de Deus; noutro dia lá estamos acreditando que amamos uma pessoa que, na verdade, nem sequer amamos, ou simplesmente voltando para casa após um dia intenso de trabalho e responsabilidades terrenas.

Num terceiro dia estamos ainda sentados à mesa com nosso pai, nossa mãe, nossos avós. Temos apenas dez anos de vida e tudo se concretiza como imortal, como se aquele cenário fosse durar para sempre. Acreditamos materialmente que a nossa felicidade vai durar, que o tempo apenas vai passar e que, apesar das mudanças, as coisas permanecerão como aquela tarde ensolarada de café das cinco. Temos ali dez anos de muitas histórias para contar, mas ainda nos classificam como crianças que nada viveram dessa vida... e a gente acredita nisso, então passamos a nos trancafiar em nossa clausura, existindo em vez de viver; brigando em vez de dialogar; apontando erros em vez de acolhê-los como evolução; valorando a coisificação do homem e valorizando a humanização das coisas. Estamos ali, postos às avessas acreditando que tudo é para sempre.

Quanta ingenuidade, meu Deus. Quando abrimos os olhos e enxergamos de fato o que a vida é, nos deparamos com um espectro deveras frígido e sagaz, ainda que acolhedor e verdadeiro. A vida é paradoxal, nos presenteia com pessoas, momentos, lugares preciosos mas, ao mesmo instante, nos arranca tudo isso a unhas, sem aviso, sem consideração, sem despedida. Que tipo de coisa é isso a que chamamos de vida?

Está na resposta desta pergunta - talvez – a razão pela qual tentamos depositar na vida muitas das nossas angústias e das injustiças concebidas apenas pela criação ilusória do ser humano. Ser gente, na maioria das vezes, é ser ilusão. Porque acredito que não é a vida quem nos maltrata paradoxalmente, mas aquilo que fazemos com a vida que nos foi concedida num privilégio raro e incomensurável. Sêneca abriu seus olhos e nos deixou um tratado maravilhoso sobre a vida e o privilégio de estar nela – ainda que por instantes tênues. Cabe a nós, seres viventes, compreender o seu sentido em essência ou seguir acreditando que a vida é simplesmente o ir e vir de eventos pontuais, povoado por pessoas casuais – mas que de casual apenas a nossa ilusão e percepção sobre elas.

Ele nos diz, em “Sobre a brevidade da vida” que “a vida, se souberes viver, é longa”! Porque o que contabiliza o nosso tempo de vida não é a cronologia dos eventos vividos, mas a intensidade do que se viveu ao longo do tempo imensurável do viver. “Não somos privados, mas pródigos da vida”! E eu acredito nisso! Acredito...

Mas acontece que os humanos não deixam de lado o materialismo absoluto com que vem estabelecendo as suas relações sociais ao longo dos anos após a tal Revolução Industrial, e cujo intuito era, pelo menos num primeiro momento, facilitar os meios de trabalho e de produção do sistema estatal economicamente fundado para que, assim, os humanos/trabalhadores tivessem mais tempo para a vida, e não apenas para o labor.

Mas então um “gênio” – de quem não se tem notícias, mas também nem importa saber de quem se trata mesmo – percebeu que se os humanos/trabalhadores deixassem essa história de viver plenamente de lado e passassem a despender mais tempo de sua vida operando mais máquinas para produzir mais “moeda de troca”, os seus engenhos, as suas fábricas e as suas empresas poderiam vender mais e, consequentemente, ele poderia lucrar mais e, lucrando mais, poderia comprar mais máquinas para, assim, comprar mais tempo de vida de humanos/trabalhadores e, assim, fazer a roda do seu próprio umbigo girar e, ainda por cima, lucrar ainda muito mais.

Então passamos a orientar a nossa vida a partir desse princípio tosco e ilusório, que nos mata a cada gota de suor despendida para o labor fundamentado na moeda de troca. E apenas para isso. Um labor que nos intimida perante a vida plena, a vida prescrita em Sêneca, em Jesus, em Deus. Mas, então, ela mesma, a vida, nos presenteia com o fim da vida de alguém tão especial. E como agimos? Choramos, enlouquecemos, revoltamos e, terrivelmente, nos arrependemos: o beijo nunca dado, o abraço negado, o diálogo não dito, a prosa jamais ouvida, o olhar não fitado, o “eu te amo” engolido, o perdão não aceito e nem pedido.

É a troca de quem se estima pela ilusão do desejo saciado por meio do materialismo diligentemente entregue: é o programa na tv, o filme que recomeça, as redes sociais que não calam, os jogos que não cessam, a música que sempre toca, o livro que sempre ensina, o trabalho que impregna, a rotina em nós saturada. Mas, por que mesmo? Porque tanto pendemos a vida para o lado aparente? Que mania é essa que adotamos ao longo desses anos de olhar para a pessoa amada e essencial em nossa vida apenas quando já se deitou para o sono eterno? São repetidas vezes na vida, e o que aprendemos: nada! São as mesmas pessoas, os mesmos erros, as mesmas frustrações. Virar-se do avesso dói, é trágico e impiedoso, e a morte é quem assume esse papel. Ela nos faz lembrar sem tempo do que realmente importa foi deixado lá atrás, quando tinhamos apenas dez anos e, sentados à mesa, confabulávamos com aqueles que tanto estimávamos.

“Pequena é a parte da vida que vivemos. Pois todo o resto não é vida, mas somente tempo. Os vícios sufocam os homens e andam a sua volta, não lhes permitindo levantar nem erguer os olhos para distinguir a verdade. Permanecem imersos, presos às paixões, não favorecendo um voltar-se para si próprio” – e complemento: e um voltar-se para aquilo e para quem realmente nos sopra vida!

“Deve-se aprender a viver por toda a vida e, por mais que te admires, durante toda a vida se deve aprender a morrer”. Pois na morte ainda sopra um lampejo de vida trazendo-nos à luz e nos conferindo mais uma chance de revirar-se do avesso, de recomeçar, de reconhecer, de reviver, de redizer, de relembrar, de re-morrer.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Sina

Então olhou para dentro de si. Pode enxergar um passado repleto de mesmas histórias. Cada uma ao seu jeito, cada uma a sua luz, cada uma ao seu tempo – mas sempre com o seu início e o seu fim pré-destinado.

É como se vivesse a mesma vida dentre tantas que já vivera. Por que no fim; no fim é que sente o peso de ser quem é; de sentir o que sente; de sentir o que provocara. Como todo ciclo, a roda viva a levara, mais uma vez, para um beco ainda mais escuro e, desta vez, sem saída!

Do final, sabe todas as falas. Mas ainda assim optou por viver o tempo que lhe restara. Por que acredita que um momento pode valer uma vida inteira. E que, senão aqui, doutro canto da memória emotiva poderá respirar novamente a vida que passara.

Nascera com a culpa de ser quem é. A tão somente culpa sua. Por mais que o dia da sentença tenda a chegar, como ladra da noite, roubara-lhe o tempo que restava para degustar o doce veneno da liberdade. Mas o que é a liberdade senão uma prisão sugerida?

Das prisões que escolhera viver, desta última em essência, até que morte em não vida a liberte. Do presente que, num suspiro, está passado, ainda cuida da fagulha de luz que lhe restara para manter acesa, ainda que coberta por breu, a luz da magia.

Se da magia nascera, da magia morrerá. Se da vida viera, da vida morrerá. Se da sina respira, da sina sufocará. Então olhou para dentro de si e, por hora, enxergara folhas vazias, cujas palavras dissolviam-se em rios de sentimentalidades.

Das palavras, sabe todas as histórias. Mas ainda prefere escrevê-las a viver uma vida sem poesia, sem rima, fadada ao fim sem começo. Que haja, em clichê, o começo, o meio e o fim, porque mais triste que um conto sem final feliz, é a angústia de uma vida sem prosa para se contar o fim.

Sina. Das vidas que passara, apenas uma, contraditório, lhe matara. Das histórias que escrevera, apenas o fim, desta última, lhe negara. Das magias que encantara, a de essência, por hora, lhe recusara. De todas que amara, só uma, que rude vivera, lhe roubara.

Então olhou para dentro de si... era como pluma ao vento, a mercê da boa vontade que, um dia, a sua alma beijara e, de presente, lhe entregara! De passado, o futuro aguardara...

Da última fala, que nunca dita; do último beijo, que nunca dado; do último abraço, que nunca envolvido; jaz em vida quem, um dia, nunca morrera. Do final, enfim!

quinta-feira, 10 de março de 2011

Paradoxo

Para muitos, a vida começa quando as cortinas do grande tablado se fecham e as luzes, todas, se apagam. É quando não há plateia que a obra de arte começa, envolta apenas ao princípio mesmo, sem a necessidade do meio e do fim.

Para que se preocupar com o meio se, para quem o vive, o basta simplesmente vivê-lo? Para que se atentar ao fim se no fim já não há o que viver? Que se reflita o começo, então, o verdadeiro paradoxo da existência. O que nasce já o faz pelos caminhos que levam a morte, porém, percorrendo-os através da vida.

Para essas pessoas, a vida é sempre um grande espetáculo. Vive-se o amor, o drama, a comédia, o trágico - a flor da pele... mas o que realmente importa é que se vive por inteiro, protagonizando a sua própria dor, a sua própria alegria. Na verdade, o sentimento não importa para essas pessoas, o que importa realmente é chamá-lo de seu e, assim, o encarar.

Para essas pessoas não há razões para deixar de fazê-lo. O que importa é o espinho da roseira na carne, fazendo sangrar, mas que, paradoxalmente, fazendo sentir a intensidade do aroma da rosa que acaricia as têmporas ao mesmo instante em que o seu toque macio, na pele, faz sangrar. (Ainda que sangue cênico) Muitas vezes, é na dor, no sangue, na morte que se encontra o sentido da vida. Não a toa, quando vivas, as flores carregam consigo o cheiro de morte!

Para essas pessoas, o sentir, o conceber, o perceber está na escuridão de um teatro abandonado e no eco de um cenário vazio. Não é preciso aparentar porque são os grandes expectadores de sua própria história. Não é preciso plateia: a obra se faz vista para quem é preciso enxergá-la. E só. Para que mais? Bastam-se a si mesmas.

Para essas pessoas ser ator de si é mais que representar, é atuar em causa própria, extinguindo-se de si a percepção do outro - que é um universo à parte. Atuar é agir em sua própria história, modificando roteiros, apontando novos direcionamentos, determinando fazer parte a quem se quer, sem falas.

Para essas pessoas, as respostas nunca foram tão importantes mesmo. As respostas limitam os questionamentos, versam sobre o desvendar dos mistérios que impulsionam o operar na vida. Com as cortinas fechadas, as luzes apagadas, um novo universo faz-se dentro de quem nascera para viver em si. À plateia, apenas as flores...

quarta-feira, 2 de março de 2011

O outro em mim

“Como é por dentro outra pessoa?” - uma vez questionou Fernando Pessoa. “A alma de outrem é outro universo”, respondeu ele, timidamente, debruçando o seu olhar sobre aquele ou aquela, a quem se quis...

Porque o outro... o outro é uma viagem sem volta, é o jogar-se de cabeça num penhasco em neblina; é o mergulhar-se no mar escuro e imenso, sem o medo de deixar-se levar por uma correnteza que nos imerge fundo, profundo...

Ah, o outro... adentrar o seu universo é tomá-lo para nós mesmos, por nós mesmos. É um arrepio sem frio, de uma pele quente, em chamas. É o badalar dos sinos de cristais, em cujos encontros racham incessantes, mas que assim o precisam para, dos cacos, a música tocar...

No outro, o enxergar dos sóis dançantes adiantes da menina dos olhos. O caminhar sobre a relva mítica do desconhecido, pairando leve sobre a trilha do sentir. O calar da razão sobre o grito do desejo...

O outro é o velejar por nuvens tempestivas, mornas e envolventes. É o amanhecer que adentra a janela, consumindo a intimidade daquele que desperta em vida. É o semear da luz que da escuridão brota...

Em cada poro dilatado, um universo novo, de novo, se cria no outro. É o vislumbrar nítido do sangue corrente em nossas veias; como corredeiras de vida, límpidas, que fazem a alma escorrer volúvel e fincar-se na vitalidade de quem, antes, fluiu em sua maré em forma amante...

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.”

(Fernando Pessoa em “Como é por dentro outra pessoa”)

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Do amor

O verbo amar é inconjugável:

porque o amor ou é para sempre;

ou não é amor.

Amando -a única maneira de viver atemporal.

Não se ama o tempo vivido, mas a vivência do amor

- concebido no impulso do sentir.

Amor - palavrinha tão singela,

que da simplicidade do querer

se faz o sentir por uma vida inteira.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Da felicidade

Felicidade é mesmo um estado sublime da alma.

Ela nos faz sorrir pelos cantos. Aos quatro ventos.

Nos leva leve, como “dente-de-leão”: livre num sopro.

Ai, a felicidade – que nos leva cintilantes.

Ela que faz dos olhos, estrelas vivas.

Brilhantes, na imensidão da noite!


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

E se...

E se eu decidisse que tudo que é base fosse lançado do alto...

E tudo então passaria a ser pluma - volúvel, leve, solto no vento!

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Do final sem fim...

Parece que vou morrer de amor! Sinto-me náufrago do mar que eu mesma criei; e revoltei! Nesse mar que me afogo, contraditoriamente, me salvo; me mato e me trago à vida, como fênix em suas chamas. O eterno retorno, o final sem fim! “Morrendo se vive!” – preciso, assim, me matar a cada instante para voltar a me viver, em todo ele!

Meu mar tirou-me de mim. Então sinto falta do passado que não passou. Da vida que nem se viveu. Da morte que não se morreu. Do algo que nem sequer se quis. Mas meu espírito, curiosamente, repousa nos sonos dos deuses; deveras, imortal. Porque somente quem já amou é eternizado. Amor não morre. Amor é justamente a “não-morte”!

Amar é a minha lembrança que nunca passou. Meu verbo conjugado sem temporalidade. Meu paraíso no mundo, onde posso deitar meu espírito toda vez que assim o quiser. Na sua calmaria é que me faço tufão; na sua tempestade é que me faço sol; na sua revolta é que me faço acalento!

Meu paraíso está diante de mim, bastam os olhos fechar, e para lá transfiguro-me a carne. Na recordação não vivida, o suspiro vem com o seu cheiro. Ainda que sem sol, a sombra faz leito; ainda que terra batida, lençóis d’água; “ainda que inverno, uma paisagem acalenta minh’alma"; porque ainda que longe, perto. Mais que isso, dentro.

Espíritos fundidos na imortalidade do amar! Liquidificados na imensidão do (a) mar. Vasto como o universo, sem começo nem fim. Na morte, sopro da vida. Faz verão, no inverno. Outono na primavera. Junto aos galhos secos, rosas florescem no coração. Seu cheiro é doce como o jazigo em que se deita minha carne.

Da falta, “o vazio da presença”. A presença da falta – retira da ausência e depois traz de volta – a falta. Essa falta que não passa nunca, nem nunca passará. Renúncia da vida, para morte bem quista. Ainda que perto, a falta da não-vida - ausência do amor! Da necessidade do existir, a falta outra vez, porque apenas isso sana: a falta de mergulhar no (a) mar!

Um sanar contraditório, pois na cura da falta, se falta outra vez - maior. Mas, ainda assim, oxigena submerso no (a) mar. Num ciclo sem fim, redemoinho do sentir. A falta sem fim, a morte eterniza, os espíritos do amar! É final sem fim...

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Ode à Bonbon (ou Poema à menina-amor)

É de olhos suaves, como fina flor,

Mas intensos e fortes,

Como de menina-amor


Doçura de moça, sorriso-menina,

Dos lábios rosados,

A ternura irradia


Na pele-ocre, a luz clarifica

A alma de quem mira

A moça em calmaria


De cabelos em onda, um mar inocente,

Daquela que em vida,

Traz a pureza da semente


Olhar de soslaio, o mundo admira

A magnitude da mulher,

A ingenuidade da menina


Na simplicidade, o afeto emana

A candura doce,

Da moça que ama


É na meiguice de criança,

Que a dama agora brilha,

A cada surgir da noite,

Ao raiar o sol de cada dia.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Menina que sonha, menino que voa

No guarda-chuva, ela segura

De olhos fechados, escapa no ar

Da morte, voa pra vida

Em essência, sempre, lhe fez flutuar.


No breu, o encontro com a luz

Na brisa, o carinho ao luar

Agora, os sinos da chuva

À noite, sempre, a lhe acalentar.


Descerra os olhos

E os pés, já sem chão, pisam o mar

É a gota da vida,

É a ternura de Deus

Na alma, sempre, a lhe tocar.


Sente a leveza, sente a verdade

No irreal, o sutil do amar

Agora, os balões transeuntes

Com zelo e bondade,

No coração do menino, sempre, a lhe guiar.


Abrem os olhos, na tempestade, na ventania

E o medo, sem vez, põe-se a gritar

É o breu de uma vida, outrora vazia

Na mente, sempre, a lhes assustar.


De olhos abertos, uma luz ofuscante

Como estrela caída, põe se a brilhar

Na queda vazia, no sonho perdido

Uma voz, sempre, a lhes matar.


Da morte pra vida,

Mais uma vez, olhos a fechar

É pluma da noite,

É vento da chuva,

É gota de lua,

Gaivotas, sempre, livres no ar.


Da vida pra morte,

Da morte pra vida,

Poesia de Deus, sempre, a lhes convidar

Guarda-chuva de asas, balões de estrelas,

Laternas ligadas,

Sempre, a lhes acalmar.


Menina que sonha, menino que voa

Da chuva, a vida, manifesta em mar

É pluma do dia, é breu do sol

Uma luz, sempre, a lhes cegar.


No lampejo de vida, bolhas de sabão,

No céu, sempre, a lhes libertar

De olhos fechados, um amor inteiro,

Meninos, sempre, livres no ar.


Menina que sonha, menino que voa,

No céu da vida, na nuvem do amar.

Uma estrela erguida, uma luz ilumina

De volta, sempre, a lhes acalmar.


Suspiro da morte, sinos da chuva,

Uma vida vazia, se desmancha no ar.

Um choro de criança, um soluço de esperança,

É a essência querida, sempre, a lhes embalar.




segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Luto

Escrever dá medo. A cada frase, uma revelação. Aquele que escreve é audacioso. Tem o meu respeito pois, apesar do medo de expor-se – quando há -, o faz da mesma maneira. É melhor expor-se que se calar. Quem cala não apenas consente mas, intrinsicamente, arranca-lhe o direito de expressar-se, de viver-se. De fato uma relação paradoxa. Quem escreve nem sempre quer dizer-se, mas obrigatoriamente o faz. Ainda assim, opta por escrever. Prefere falar-se a calar o seu ímpeto de dizer. É um grito em forma de aglutinação gramatical. Uma mudez que grita mais alto que qualquer berro. Escrever dá medo. Porque o que está escrito não morre com o tempo, permanece nele. Não morrer dá medo. Porque não tem volta. E há dias que morrer é providencial...O dom da eternidade que a escrita confere é fabuloso e assustador. Se cai no esquecimento, basta o ler novamente. E tudo renasce! Engana-se a morte.

Nesses dias refutei-me sobre a minha falta de paciência em escrever um diário. Sempre o quis, mas nunca vi sentido naquilo! Escrever para mim mesma sobre o meu dia vivido? Para que, se o que vivi já foi vivido por mim e, logicamente, o saberei que vivi? Um pouco nostálgico demais...Mas que besteira a minha. Perdi a chance de eternizar quem já fui para mim mesma! Matei minha outrora e nem percebi. Nem chorei. Mas hoje sou luto! Pensei nisso ao abrir uma caixa com cartas e bilhetes enviadas por pessoas do passado. Pude viver de novo cada momento; foi uma experiência diferente do lembrar. A lembrança é vulto. E a nitidez com que revi o passado foi diferente de tudo que já me aconteceu. Imagem não diz tudo. A palavra sim. Então senti vontade de ler minhas respostas para dar findo a cada história que os bilhetes trazem em si: nunca conseguirei! Luto! [Ah, que tolice a minha].

Hoje escrevo para salvar a mim mesma de mim! Tenho o dom de querer me matar - mesmo quando não se é providencial. Viver dá medo! Não morrer é ainda mais medonho! O tornar-se ridículo perante alheios nos sucumbe. Quanta bobagem...Temos uma forte tendência suicida, e ainda acreditamos que "o inferno são os outros" (Jean-Paul Sartre). A aceitação de deixar de ser quem se é em função de moral social ou, por menos, por promessas garantidas a outrem, é o mesmo que atirar na própria cabeça todos os dias da (não) vida. Que bom que ainda tenho a palavra. Nessa mudez posso permitir ser quem sou. Nesse instante, sou governante de mim mesma e não há quem possa me matar que não apenas eu e tão somente eu. Que o vulto seja apenas da lembrança não dita e não da vida manifesta!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Minha vantagem é ser feita de pele e sangue

Não quero a sorte de um sonhador. Prefiro a audácia do imaginador. O primeiro se limita aos imprevistos da inconsciência. Já quem imagina, liberta-se no trunfo das possibilidades. Executa o ato de projetar, de perceber e de guiar. Já o sonhador executa o ato de destinar-se. A mente inconstante o destina a apenas vislumbrar e, raramente, o faz sentir. Apenas quando está bondosa, então se sente. Geralmente ela é voraz e faz do sonhador joguete do destino, arrancado-lhe o sopro do real com um leve despertar. Pensando bem, o ato de sonhar lembra um pouco a vida. Por vezes no seu âmago, basta um simples suspirar para já se acordar. Assim é a vida. Por vezes destemida, basta a quem vive tropicar para ela o deixar. Mas também, quem mandou desacordar para imaginar? Todo amanhecer é um pouco morte para quem sonha. Gosto mesmo é de imaginar. Imaginando, posso até suspirar e nem sequer despertar. Ao contrário, o suspiro vira alimento daquele que imagina. Outra vantagem, não se precisa dormir e nem esperar. Basta projetar, perceber e deixar-se guiar. O imaginar também permite a quem imagina o sentir. Porque a minha vantagem mesmo é ser feita de carne e osso, pele e sangue. O osso para o sustento da carne que, ao toque da pele, faz o sangue irrigar por dentre as veias o doce veneno da volúpia! Os sonhos, deixo para os sonhadores. O que me atrai é o delírio de uma carne bem quente, bem real, a adentrar minhas entranhas cuja alma já está esgotada em devaneio. Latejante, a sinto como se uma vida inteira começara a nascer dentro de mim. Então me abro, me permito e a encorajo a fincar no solo sagrado do deleite o doce substrato da euforia fulgurante do desejo. Os sonhos? Que estes sejam sonhados por aqueles que admiram sonhar. Eu sou admirador do prazer sem amarras, do pulso que faz a carne pulsar. Da vida já não sou dono mesmo. Que ao menos eu seja do meu sonhar. Então, opto pela imaginação, que me faz sonhar, sentir, viver e ainda decidir quando morrer. Que os sonhos caiam-me à esquerda; os desatinos, esses sim à minha direita. Imaginar, imaginar e imaginar até o meu sangue me irrigar e provocar o derrame do pólen viscoso do gozar. Meu pacto é o sentir do prazer. Viver de prazer para morrer com prazer! O gozo de uma carne latejante é infinitamente melhor que a alucinação de um sonho consonante!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Ego

Que culpa tenho se nasci tão eu? O que posso ser nesta vida é tão somente isso que sou. Não sei ser de outra forma. Não sei me recontextualizar. Para isso, teria que renascer. Mas, ainda assim, teria que, antes, me matar! Só renasce aquilo que um dia já morreu. E eu, hoje, não quero me matar. Até estive esquecida de mim por um tempo, até tentei suicídio involuntariamente, mas ainda assim sempre fui tão somente eu; sempre serei isso que sou. Tentar me matar faz parte de mim. Mas o máximo que consigo é me por em estado de coma. Então não me venha refutar sobre o que digo, o que penso e o que faço. Apenas sinta o que sou. Tudo é uma questão de ser. Tudo é uma questão de sentir o que se é. Nem eu tenho a resposta para esclarecer o que digo, o que penso e o que faço. Você é de outro jeito porque é o jeito de você ser. Então, assim como eu, se seja! Ao menos, tente! Porque sou apenas do jeito que consigo ser, e com você não é diferente. Isso nos acontece desde o nascimento. Não há quem esteja vivo que escape. E não há nesse mundo algo tão glorioso quanto o nascer. Quando se nasce, passa-se a existir. Passa o mundo a ter um outro ser que nem sequer ainda o é. Existe-se, apenas. Mas ainda assim é lindo. Quando você nasce, o mundo muda. Mas você nem sequer dá conta disso. (Aliás, estamos fadados a passar por uma vida inteira sem perceber que somos aquilo que já nascemos sendo). Depois de um tempo é que você percebe que o existir não é nada perto do viver. Mas que o existir é fundamental para viver. A existência é a pré-vida. Para se ter a vida é fundamental ter existido antes. Mas, antes, e não durante! Da existência à vida o ser passa por uma série de experiências que o fundamentam em si. É a essência, fecunda já durante a pré-vida, mas que ainda não a concebemos. É como se o espírito estivesse adentrando o corpo aos poucos, aos fragmentos. Mas, na verdade, nós é que o percebemos em fragmentos, pois ele já é antes mesmo de sermos. A essência, então, parece dar o ar de sua graça durante toda a vida em nossa razão. Para conhecê-la talvez levaremos uma vida inteira. Ou, ainda, uma vida inteira não será o bastante para a conhecer. Porque, ainda que já na vida, começamos a racionalizar tudo, e esquecemos de ser o que, de fato, somos. Quer dizer: ainda que exista algo que lhe diga o que ser, é impossível dissonar de si aquilo que você realmente é. Não acontece essa dissonância. Nunca. Mas esse algo nos faz esquecer, nos faz des-percerber. Faz-nos olhar para outra coisa e acaba por nos cegar diante de nós mesmos. Um tronco de árvore será sempre um tronco. Há quem diga que é cadeira, mesa, lápis, papel. Mas ele será sempre um tronco de árvore. É a essência do tronco ser tronco. Ele nasceu para ter suas raízes fincadas no solo. Para sustentar folhagens e frutos. Nasceu para ser tronco e ponto final. Mas há algo que tenta suprimir a sua essência e o transformar em outra coisa, que não o tronco. Ainda que cadeira, mesa, lápis, papel, o tronco sempre será tronco. Assim nasceu, assim morreu. O precioso de permitir ser quem sou, é que posso ser aquilo que eu quiser ser sem me perder, mas perdendo-me em mim mesma. Diferente do tronco, que se perde de si por força daquele algo. Por isso, assim como Clarice, não escrevo para você me entender ou entender a si próprio, quiçá compreender o mundo. Não faço literatura. Escrevo para salvar a mim mesma da gana que tenho de me matar. Sou o meu algo. E isso é perigoso. Escrevendo, posso me ler e me reler e, de novo, me contextualizar sobre quem sou. Se quiserem me transformar num tronco, poderei ter a consciência de que não nasci tronco e voltar a mim mesma. E isso não é recontextualizar-se é, apenas, reconhecer o que nunca deixei de ser e o que, certamente, sempre hei de ser. Eu nasci tão somente eu e, por décadas, assim o serei! (Talvez, por uma eternidade...).