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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Ego

Que culpa tenho se nasci tão eu? O que posso ser nesta vida é tão somente isso que sou. Não sei ser de outra forma. Não sei me recontextualizar. Para isso, teria que renascer. Mas, ainda assim, teria que, antes, me matar! Só renasce aquilo que um dia já morreu. E eu, hoje, não quero me matar. Até estive esquecida de mim por um tempo, até tentei suicídio involuntariamente, mas ainda assim sempre fui tão somente eu; sempre serei isso que sou. Tentar me matar faz parte de mim. Mas o máximo que consigo é me por em estado de coma. Então não me venha refutar sobre o que digo, o que penso e o que faço. Apenas sinta o que sou. Tudo é uma questão de ser. Tudo é uma questão de sentir o que se é. Nem eu tenho a resposta para esclarecer o que digo, o que penso e o que faço. Você é de outro jeito porque é o jeito de você ser. Então, assim como eu, se seja! Ao menos, tente! Porque sou apenas do jeito que consigo ser, e com você não é diferente. Isso nos acontece desde o nascimento. Não há quem esteja vivo que escape. E não há nesse mundo algo tão glorioso quanto o nascer. Quando se nasce, passa-se a existir. Passa o mundo a ter um outro ser que nem sequer ainda o é. Existe-se, apenas. Mas ainda assim é lindo. Quando você nasce, o mundo muda. Mas você nem sequer dá conta disso. (Aliás, estamos fadados a passar por uma vida inteira sem perceber que somos aquilo que já nascemos sendo). Depois de um tempo é que você percebe que o existir não é nada perto do viver. Mas que o existir é fundamental para viver. A existência é a pré-vida. Para se ter a vida é fundamental ter existido antes. Mas, antes, e não durante! Da existência à vida o ser passa por uma série de experiências que o fundamentam em si. É a essência, fecunda já durante a pré-vida, mas que ainda não a concebemos. É como se o espírito estivesse adentrando o corpo aos poucos, aos fragmentos. Mas, na verdade, nós é que o percebemos em fragmentos, pois ele já é antes mesmo de sermos. A essência, então, parece dar o ar de sua graça durante toda a vida em nossa razão. Para conhecê-la talvez levaremos uma vida inteira. Ou, ainda, uma vida inteira não será o bastante para a conhecer. Porque, ainda que já na vida, começamos a racionalizar tudo, e esquecemos de ser o que, de fato, somos. Quer dizer: ainda que exista algo que lhe diga o que ser, é impossível dissonar de si aquilo que você realmente é. Não acontece essa dissonância. Nunca. Mas esse algo nos faz esquecer, nos faz des-percerber. Faz-nos olhar para outra coisa e acaba por nos cegar diante de nós mesmos. Um tronco de árvore será sempre um tronco. Há quem diga que é cadeira, mesa, lápis, papel. Mas ele será sempre um tronco de árvore. É a essência do tronco ser tronco. Ele nasceu para ter suas raízes fincadas no solo. Para sustentar folhagens e frutos. Nasceu para ser tronco e ponto final. Mas há algo que tenta suprimir a sua essência e o transformar em outra coisa, que não o tronco. Ainda que cadeira, mesa, lápis, papel, o tronco sempre será tronco. Assim nasceu, assim morreu. O precioso de permitir ser quem sou, é que posso ser aquilo que eu quiser ser sem me perder, mas perdendo-me em mim mesma. Diferente do tronco, que se perde de si por força daquele algo. Por isso, assim como Clarice, não escrevo para você me entender ou entender a si próprio, quiçá compreender o mundo. Não faço literatura. Escrevo para salvar a mim mesma da gana que tenho de me matar. Sou o meu algo. E isso é perigoso. Escrevendo, posso me ler e me reler e, de novo, me contextualizar sobre quem sou. Se quiserem me transformar num tronco, poderei ter a consciência de que não nasci tronco e voltar a mim mesma. E isso não é recontextualizar-se é, apenas, reconhecer o que nunca deixei de ser e o que, certamente, sempre hei de ser. Eu nasci tão somente eu e, por décadas, assim o serei! (Talvez, por uma eternidade...).

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